sábado, 10 de maio de 2008

Um galo no crepúsculo errado

   Tenho carências. Tenho urgências. Tenho temperanças; todas essas unilaterais, pois, e por tudo e por si só, ninguém nunca entenderá. E jamais, e porquê, por mim, pelo céu, por que tal entenderiam se não há palavras, se não há tom nem gestos que às explicitam?

   Lanço-me sempre contra um chumaço de idéias e plumas de ganso. Lembro com uma quase-lágrima da frase que eu resmungava para dormir: “Os galos cantam no crepúsculo dormente...” – de um poema da Cecília Meireles. E ainda o resmungo, mas agora quase sem som, quase sem os lábios. Fico no pensamento: que é melhor, mais puro, ou não. Mas é melhor, ninguém ouve, ninguém diz. Não há alguém lá e nem aqui.

   Fico, - talvez porque eu queira, nessas madrugadas de final de semana -, solitária no meu quarto e tudo o que vejo são garrafas, galhos retorcidos, flores de papel, e poucas cores. Tudo aqui soa minimalista e junto de tudo eu, com meu copo de chá-mate com leite morno e um cigarro para me acompanhar na jornada inútil de ter que sobreviver no deleito que vem antes do pranto.

   Daqui a pouco o galo da casa vizinha cantará, acho o fuso-horário dele muito estranho. Não são nem uma hora da manhã. Mas ele canta mais ou menos nesse horário... e então o crepúsculo terá um galo que cantará de verdade. Digo, “crepúsculo”, naquele sentido figuradíssimo de decadência. O galo cantará, a minha dormência enfim chegará e quase tudo está no lugar.
A cama, o chão, os móveis, os adornos, a rua, os postes, o gatinho do lado da garrafa, o aparelho telefônico que nunca toca, a televisão no mudo. E tudo mais; menos eu, na cama, porque estou aqui, frente à janela, pensando no galo, no crepúsculo, na temperança e nas minhas coisas unilaterais.

2 comentários:

Pó & Teias disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Pó & Teias disse...

Muito bacana a sua entrega literária, Valentina! Parabéns!
E que sejas sempre inspirada!!! =)