quarta-feira, 26 de março de 2008

Agora ou nunca

Ela disse:

– Lindo esse seu coração!

E então responderam:

– Não é o meu.


Começou assim o desejo. “Desejo”. Como é que se chama algo produzido por um conjunto de frações de segundos e fricções frenéticas de pensamentos?
Desejo andar pela rua com esse começo de elogio na cabeça, desejo entrar no ônibus e continuar desejando. Estou viva, embora haja dores e odores. Volto todos os dias no mesmo lugar, esperando acontecer o imprevisto, esperando o começo do elogio; desejo esperar. Desejo-esperado. Qualquer coisa desprendida e eu estou aqui à descrever coisas com amor lascado e víscera:

Ela disse:

– Casa comigo?

E responderam:

– Não posso, não tenho o meu coração.



Qualquer pensamento metálico tomou conta de mim no exato crucial da espera de uma resposta, porque no fundo eu sabia que não teria um coração, e mais no fundo ainda, eu sabia que o coração estava lá, de qualquer maneira, batendo, com gosto, no meio da garganta e a boca com gosto de coração.

É assim, de diálogos feitos de nada que Ela conduz o corpo meio trêmulo, meio frágil e quase totalmente rude. Os dedos, os lábios, os dentes cerrados. O sorriso fajuto. E a falta de discernimento. Dá-se inteira, e dá-se de coração. Corpo não. De coração. Que pulsa, perpetua, sempre pulsa. E é fulminante, de certo Ela sempre espera o não... ou talvez:

– Mas porque você quer se casar comigo?


Houveram perguntas como essa aí de cima. E as suas respostas também:

– “Oras, porque estou apaixonadíssima por você!”

E foi sempre assim, nos momentos silenciosos, espaçados entre frases inteiras ou textos completos que ela respondera o porque do porque. E há de responder? O que há é o segundo, e não se explica, engole-se. Sempre se engole, de tudo: aprendi isto desde que nasci, engulo palavras, letras, sussurros, gritos, sólidos, líquidos, maleáveis, mal-cheirosos, engulo rosas e todo o resto que desgosto.


(Continua...)

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