sábado, 29 de março de 2008

Composição

Boquiaberta caminho entre a escuridão e não, desenhados na calçada. Penso sempre, no instante seguinte e penso.
Olho secretamente, do tipo calada, o enluarar das cabeças avoadas dentro das casas, passo pelos gatos, gatunos, mal-humorados. Diurnos, noturnos, loucos... desvairados!
Um comichão por dentro capaz de silenciar o mundo e explodir.
Por onde passa o silêncio: tudo. Estou sempre à caminho e vou purificando e bestificando todo o resto, dobro esquinas, atravesso sinais, e não me importo com os portais. Vou transgredindo a vergonha, engolindo a imagem mutilada das pessoas noturnas. Vejo o desfocado do amanhecer, circulo entre as atmosferas mais sombrias das atmosferas que cercam, desbravo enraivecida e desmemoriada esses minutos, meias-horas, horas-inteiras.

Agora é pra sempre e pra sempre é o que é. Não sou, não quero estar. E até sinto frio nas noites em que posso viver e pousar: enjaulada, perseguida e heróica. Esvaziando, esvairecendo a capacidade vulgar do capaz; grito com as questões, tapas e socos na cara. No porão das distintas criaturas embriagadas:

Danço de pés descalços, porque a terra inexiste e há só o céu. No que penso quando melhoro e sou eu mesma, quase sendo presa, quase sendo louca, quase sendo tudo, quase sendo o próprio Deus? Enfureço-me de alegria vibrante e vermelho-sangue.

Caminho ainda, recolhendo os pequeninos corpos jogados no espaço. Estou nua, como desprovida de armas-palavras. Digo à quem? Além, à mim, à ninguém.

E depois engulo, alavancada pelo desejo alheio. Engulo do tipo seco, cego e dobrado. É cedo, é quase manhã e vou fechando as pálpebras instaladas em cima dos meus globos oculares. As veias pulsam, pulsam rastilhos de explosão. Existe qualquer coisa de músculo, e mais tarde papel branco, amarelado, pousado no chão. E sei, quando eu despertar, sei bem o gosto que o coração expelirá: quase.

Quase fui. E por pouco não fui tudo.

Ainda, serei. Serei. Serei. Serei!

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