terça-feira, 15 de julho de 2008

Solitário num bater de asas

   Boa safra e envolta de vapores minha cabeça entardece, chego de boca quase muda; ouvidos estonteados, nevoeiro enluarado e céu todo de mar: lúcida! Luxúria no pensamento debaixo de litros d’água e luzes que piscam sem parar um instante sequer.

   Ainda estou na mesma posição de sempre, frente à janela, observando a fotografia, agora, já, prestes a se soltar da parede por conta própria: O pássaro. Analisando as ranhuras e rachaduras que se estendem ao longo das paredes e se encontram sem que eu perceba e sem o meu consentimento; e mesmo ao meu sinal tudo desaparece, passo levemente a mão em cima do interruptor de luz; - eis a escuridão.

   Exprimo a vida de maneira voraz e rápida; perspicaz. Num segundo meu coração pára de bater e no outro ele já bate enjaulado na garganta e sou uma criança que não controla seus atos: vejo meu reflexo no espelho e observo a garganta pulsante, sou semi-deus, sou quase tudo e dou um passo além do mundo. Ávida, generosa nas palavras, violenta nos gestos e secreta nos sentimentos: coração trancafiado. Todas as minhas tempestades junto às paixões, o sincero ruído que os dedos fazem e o perturbo-vacilo que a mente proporciona nos momentos de rapidez e subordinação ao sentido, amargo.

   Descolai-me do início, onde ainda não pensei em pensar a voar e não bati as asas; olho para o teto enfumaçado e lá está: ele por si só, descolando-se da “pátria-mãe-gentil”... nauseai a minha, porquê preciso do gosto da vida e que seja ao menos agridoce.

   Estendo assim, pouco nos pensamentos disformes da solidão, curtas divagações das lembranças cristalinas, porém gelatinosas do início de um pranto que estende ao longo dos séculos e antigüidades marcadas no corpo e nas bordas dos copos em que bebo: boa safra. Ensurdeço no banho quente, as centenas de gotas d’água caindo ao mesmo tempo sobre a minha cabeça como a tempestade de um fim que perdura. Perdurará?!

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