terça-feira, 2 de dezembro de 2008

O Ponto

       Enquadro-me no espaço em branco, emoldurado na parede porque no quarto já não tenho lugar. Noutras horas sou o ardor das plantas dos pés marcando o chão, deixando rastros por todo o quadrado, vazio, noturno e de ar quente, imundo. Arranham as cordas aqueles – poucos – que precisam falar desse jeito unilateral e estridente e tão faminto. Passo ao passo que digo coisas sem sentidos, vou indo e somando anseios, moendo horas, tendo tempos para ser tempo e estar em cima do espelho, e ser o ponto: nesse instante eu me sufoco!

       Ando atrás do pensamento, percorrendo o vento de ontem, o som do instante passado, da mortidão do anteontem, o meu além é uma penetração decadente e orgásmica. Mil dessas coisas fulminantes permeiam o que do chão sobe ao teto em fricção, em movimento exaustivo que aos meus olhos são preguiçosos, tênues... tão crus de qualquer memória e esperança e nem eu mesma reajo diante do inesperado; ouço qualquer coisa que há muito me impermeabilizou em êxtase.

       Penso que Nossos desejos devem ser reagentes de Nós mesmos: nem nossos passos, nem mesmo nossos pulos, essa languidão, a batida de coração e o sorriso malevolente, o grito esquecido no canto do quarto, os cigarros em cima da mesa, a chave debaixo do travesseiro, a janela toda aberta... esses olhares que nunca dizem algo, e as mãos que se movimentam rapidamente na tentativa dum sussurro trambique criativo, de tocar as pontas dos dedos de um arranha-céu, de contradizer qualquer infortuno de ontem ou esconder a escuridão em flashes, fósforos ou guimbas de cigarro no cinzeiro

       – Os desejos são mais fortes, mais fugazes e mais volupiosos que Nós mesmos. Num momento não se quer nada, não se pensa em absolutamente nada, gelatinoso e estagnado, somando-se a qualquer coisa, adquirindo textura e tonalidade e noutro momento, após o desejo avassalador vindo à sua mente sem qualquer consciência, querer ou concentração; está tudo acabado, prestes a ruína certa, teu corpo tornou-se o próprio desejo, a própria fugacidade, volúpia, força: és agora volátil.

       E lançou-se aos mundos da imaginação disforme. Irrealidade, e não sente mais o nó que embatucava sua garganta em outros mil nós. E depois do tudo, pressente o estardalhaço da tentação, és O Ponto.

 

 

       . és o início de qualquer tentação. És.

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