terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Veludo

       A mão se lançando sutilmente no escuro entre o queixo dele e o meu. Branca, macia, macia, e a outra mão quente, encostando na minha; tecendo uma atmosfera tênue de malicia e ferocidade. Não fomos necessariamente negativos, nem as mãos seriam. Uma pálida, macia, de dedos longuíssimos e, a outra um pouco morena de sol, vezes de pianista, outras de estudante, mas sempre fugaz. Escorre feito sangue, porque há essa hora, já me tornei quente-quente, até as maçãs do rosto em movimento, como se fossem só os músculos a serem vistos. Tateio com os dedos, com a ponta dos meus dedos, com cada pedacinho das minhas unhas e reajo ao estremecer do conhecimento de cada desejo minúsculo.

       Abro os olhos, ou ele abre, abrimos. Olhamo-nos embriagados, estou com as vistas tortas, já não enxergo tão bem quanto a quatro horas atrás. Fico em mim, no lugar que eu deveria estar: girando em torno de mim mesma e ele chega. E como se eu já o conhecesse, percebo que ele se aproximará como um tufão e, os lábios se encostam, os narizes, os cabelos... e talvez tudo o que há de invisível se encoste também. Respiro. Uma de suas mãos preenche a lacuna que possivelmente meus cabelos sentem, pois o corte é novo.

       Sorrio, e por um instante abro os olhos e adoro a frivolidade das pessoas que consigo engolir no meio da escuridão. Docilmente bagunço todo o cabelo dele, beijo-lhe os olhos, mordisco sua bochecha, sua orelha e sei que respiro no pescoço de um quase desconhecido... e seguindo meus rastros ele me beija o pescoço e eu, – como a mulher mais cansada do mundo, que sempre fui – recosto a cabeça na poltrona e acendo um cigarro... penso nesses momentos que a vida é de uma beleza excêntrica e os encontros marcados de esbarrões e obscuridades.

       Levantamos, vamos ao bar, bebericamos nosso champagne e nossas línguas se encontram sem medidas. As mãos saem dos cabelos, dos pescoços, dos rostos e descem até ao tórax, até onde o coração pode bater tanto e de tanto bater, parar. E os beijos se transformam em não somente beijos são agora beijos-desejo. E alguma coisa arde mutuamente... e continuaria ardendo se não sentasse ao lado um conhecido e se do outro lado alguém não o chamasse: e tudo se acabou?

       Fecho os olhos, abro, fecho. Ouço a música, memorizo tudo, a bebida na minha boca, a fumaça ao meu redor, os desconhecidos, todas as dezenas de rostos desconhecidos e alguns conhecidos... envolvo-me sem me envolver; no ar, abafado, razoável... envolvente. De tudo, sei que vejo quase nada, encosto na parede, acendo um cigarro. Bebo cerveja. Danço, sorrio. E as pessoas parecem conformadas, convenientes a si mesmas, olho como a morte e quero levar alguém pro outro lado de tudo, saio da parede.

       E não faço questão, ele vem, e se perde, não procuro, acho aquela interessante. E o outro reaparece... faço uma teia entre as pessoas e não gasto muito tempo, entrelaço-me no meio e talvez eu me leve também. E sem o menor esforço ele diz que a música está estranha, me oferece uma bebida, pergunta o meu nome e o papo não tem fim... resolvemos sentar num canto qualquer.

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