segunda-feira, 14 de abril de 2008

ODE DO DESESPERO

Começa enjaulado, murmurado... quase escondido:

O reencontro fatal, o soco na cara, as palavras – todas – que me abstive de dizer, engolia a seco, caminhava por fora e corria por dentro, a sensação dum novo-velho instante reabrindo os olhos, comendo as mucosas internas: saudade.

Como fome, talvez sede, um pouco de vontade, algum desejo, a coisa explodindo escondida em inúmeros fogos de artifício dentro do meu céu embriagado e todas as vezes que não quis olhar, todos os gestos que não quis fazer. Meu estômago doloroso, porque tudo ia pra lá, todo o passado, toda a lembrança que sempre se quer esquecer. E porque?

Ouvia vozes estrangeiras, olhares que se combatiam, tristezas doídas que eu quis engolir e no entanto, sorri. A Deus. E quem mais? Porque não mereço tanto, sou só partezinha minúscula e cheia de nervuras.

As coisas como um imenso carrossel, esses momentos de hiatus entre pensamentos e não-pensamentos, os segundos que foram antecedendo todas as outras despedidas, os beijos no rosto que carinhosamente distribui à mesa, quis fugir. Todas as gargalhadas que me permitiram; as dores escondidas e altas. Me perco sozinha.

A primeira despedida, os beijos, o até logo, a promessa de contato e reencontro interno. A vontade fulminante de fugir; odeio vozes. Odeio gestos, odeio coisas que se movem e o arrependimento que todos me causaram, desespero um.

Segunda, a segunda despedida, a do automóvel parado na minha porta. Eu sem querer sair, sem ter pra onde ir, os segundos que pareciam séculos e a cara que imagino ter feito ao dizer que não queria ir embora. Sempre tive fome. Desespero dois.

Desespero três. A conversa, o conforto inesperado, minha falta de tato. As palavras que eu espero estarem circulando pelo infinito, a certeza de que não voltaria e a certeza de que voltariam. A incapacidade corporal de movimento, qualquer tipo. E boquiaberta, heroicamente resistindo à conversa que se extendia e prolongava a minha vontade exclusa. A despedida três e final.


Entrei pelo hall, feliz. Estou feliz. O elevador estava no terceiro andar, o meu. Esperei enquanto algo me comia por dentro, esperei enquanto a sensação se prolongava mais e mais. O elevador chegou, tive de entrar e sorrir, rir e enfim depois chorar, porque é mistério e é fome.

Um comentário:

Anônimo disse...

Pois que nunca estive aqui, ou mesmo aí mais perto. Ainda assim consigo tocar o desespero antes que ele caia, se derrame e vire pó. Só o toco porque vejo, porque nunca nunca ele deixou de ser só. Somente desespero sempre esperado, desespero de esperar calada as contrariações da vida.