quinta-feira, 17 de abril de 2008

Imprevisto

Ando suavemente, tateando o medo e o desprezo com a ponta da língua. Não sei nunca o que me espera; ouço as esquisitices, as minhas próprias e vulgares esquisitices. Sinto todo esse vazio do anoitecer e a vontade imunda de companhia: embora haja solidão, hoje não quero estar só.

Tenho vergonha das figuras desenhadas e do que sou. Do que dou. Fui sincera nessa aprendizagem horrível do meio do caminho, e ainda aprendo e ainda estou na beira: espero um beijo.

Apreendo bruscamente qualquer hipótese, sou lúcida e translúcida, deixo transparecer e viver a minha vontade de querer estar mútua. Ajo nas maneiras mais sutis que se pode agir, mudo de assunto, engulo os ajuntamentos, rejunto as dissoluções.

Como cega sem auxilio caminho no tortuoso deserto dos desencontros. Sei do que sei; e é mistério e é puro silêncio verdadeiro:

Engulo o segredo dos outros amores. Faço a corte e sou os ombros. Carrego todo o meu mundo e um pouco de cada um que atravessa a rua. Os lentos, os ágeis e até mesmo os inúteis. E porque não? Agora mesmo estou sendo inútil, escrevo com um filme todo na cabeça e a sua trilha sonora; faço um strip tease do que ainda guardo comigo. O dia raiando em imensas explosões e choques e coisas que falam por si só:

- Você penetrou nas minhas entranhas e desde então não consigo mais tira-lo da minha mente.

Uma surpresa, um arrepio, uma dor de estar se deixando levar; acontece que a intensidade e a perplexividade em conjunto é algo raríssimo. Ele olha fixamente à boca da moça que está sentada em sua frente, enquanto ela diz milhares de letras, juntando sílabas e formando palavras, frases: declarações.
Acendo um cigarro no outro, porque isso é tenso e é o que quero ter. Meu tempo é regado de minutos ilusórios e apaixonados por ninguém. Estou sempre desfrutando dessa divindade de me aproximar intrinsecamente nas pessoas; passam por mim todas elas e – suponho – absorvo.

Tatuo qualquer coisa já morta, já abstrata. E ainda assim, pensando na memória quase morta – a não ser pela existência intocável – ouço o foguetório do lado de fora da rua, olho pela janela e explodem cores vermelhas. Hoje o céu é vermelho, mas porque não haveria de ser?

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