domingo, 27 de abril de 2008

27

   Poupo-me das sanidades. Fico só e não sei escrever; não sei dizer. Aproximo com olhos medidos e fulminantes de paixão, pergunto o teu nome, apresento-me e sorrio. Estou triste por dentro, mas faço festa aqui fora, converso embora eu não saiba dizer, mostro o meu interesse pela pessoa que está me fazendo olhar para cima e ver que existe alguém a quem eu deva, talvez, só talvez, me curvar.

   Juro amor secreto nos intervalos, em que não temos o que dizer. Juro qualquer coisa que não é em vão nos não-intervalos em que falamos e falamos quando nos entenderíamos mesmo que nós não nos falássemos. Sorrio com os olhos porque lhe encontrei. E só com os olhos, porque a boca está ocupada e cheia de dentes e a língua escorrega no céu da minha boca, formando sílabas e palavras, não sei o que digo: a única certeza que tenho nessa hora é que sou extremamente corajosa, tirei coragem de um fundo reserva pra quando eu encontrasse em carne e ossos e pudesse encostar.
E boquiaberta, e corajosa e pequena, apontei o dedo no teu ombro e encostei; constatei que eras de carne e osso, e o meu mundo pequeno se expandiu, por meio qualquer misticismo ou fórmula que faz crescer.

   Umas palavras soltas, uma frase que constatei ser complexa demais no instante, mas no outro entendi. E transpareci. Respirei fundo e respondi. O meu platonismo no auge; a minha vergonha ao não ter certeza quando falávamos sobre platonismo e eu não sabia, naquele momento, se era “platonismo” ou “platonicismo”, toda a minha timidez que me faz inventar palavras e mundos, outros mundos além do mundo em que lhe confidenciei viver. Estranhíssimo caminho no meio da multidão até encontrar alguém que se pareça com o rosto que eu achei que fosse você, até eu ter o mínimo do mínimo de certeza e perguntar... uma coisa crescente, mesmo com a multidão se dispersando e mesmo com eu indo embora aos poucos, percebendo que nossos corpos se afastariam inevitavelmente. E toda a maior solidão que senti, toda a maior do mundo, porque foi inesperado, imprevisto e intenso, em demaseio intenso. E você indo também, e eu querendo ir, e indo junto, mas depois ficando, decidindo ficar, decidindo não me perder, não me iludir, decidindo decidir que conversaríamos depois, que nos veríamos mais tarde, numa tarde de inverno, num dia de frio, numa noite de ventania; num momento qualquer. E voltei, no do teu caminho contrário, até com dor no peito, até com lágrimas nos olhos e até com vontade de voltar correndo insana e fazer o que eu queria fazer e não podia querer, talvez e só talvez...

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